sábado, 6 de setembro de 2025

A POLÍTICA IMBECIL

Do jornal Washington Post

Fareed Zakaria

Países cruciais estão se afastando dos EUA e se aproximando da China. Nações antes amigáveis ​​aos EUA agora se inclinam para Pequim após anos de hostilidade.

Veja as fotos que dominaram as notícias mundiais desta semana. Elas são ilustrações vívidas dos fracassos da política externa do presidente Donald Trump. As fotos que mais chamaram a atenção foram as do enorme desfile militar da China e de Xi Jinping, Vladimir Putin e Kim Jong-un caminhando juntos. Essas imagens eram esperadas — um lembrete de que o Ocidente enfrenta um conjunto determinado de adversários que veem como sua missão destruir a ordem internacional liderada pelo Ocidente. O que surpreendeu foram as imagens dos dias anteriores, quando a Organização de Cooperação de Xangai recebeu líderes da Índia, Turquia, Vietnã e Egito, entre outros. Todas essas potências regionais eram geralmente consideradas mais próximas de Washington do que de Pequim. Mas uma combinação tóxica de tarifas, retórica hostil e demandas ideológicas está afastando muitos dos Estados cruciais do mundo dos Estados Unidos e se aproximando da China. Pode ser o maior gol contra da política externa moderna.

Considere o BRICS, um agrupamento de países originalmente concebido para representar os grandes mercados emergentes do futuro — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — juntamente com vários outros membros atualmente. Em reuniões, três dos países centrais, Brasil, Índia e África do Sul, geralmente resistiam aos esforços russos e chineses para transformar a organização em um agrupamento antiamericano. Há décadas, Washington vem construindo laços com esses três países, cada um líder em sua região, para garantir que, à medida que crescessem em tamanho e estatura, se inclinassem favoravelmente aos Estados Unidos.

Mas Trump tem tratado esses estados cruciais com algumas de suas retóricas e políticas mais agressivas. Ele impôs a maior tarifa do mundo contra a Índia. Puniu o Brasil com tarifas igualmente altas e impôs sanções e proibições de visto a autoridades brasileiras. A África do Sul enfrenta tarifas de 30%, um corte total de ajuda externa e potenciais sanções contra autoridades governamentais.

Os governos e os povos desses países estão indignados com o tratamento dado a eles. A Índia costumava ser esmagadoramente pró-americana. Agora, está rapidamente migrando para uma profunda desconfiança em relação a Washington. No Brasil, os números decrescentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas aumentaram à medida que ele enfrenta a intimidação de Trump. Na África do Sul, o presidente Cyril Ramaphosa ganhou destaque ao responder educadamente às intimidações de Trump no Salão Oval. Vale lembrar que outros países também têm sentimentos nacionalistas! Não há justificativa estratégica para essas reversões de políticas. Trump está punindo o Brasil porque os tribunais independentes daquele país estão responsabilizando a alma gêmea ideológica de Trump, Jair Bolsonaro, por seus esforços para rejeitar os resultados de eleições livres e justas. A África do Sul enfrenta a ira de Trump por causa de uma lei de reforma agrária que tenta resolver algumas das vastas disparidades na propriedade de terras e na riqueza causadas por décadas de apartheid. Essas razões não têm nada a ver com a restauração da base industrial americana ou com a redução dos déficits comerciais. Os EUA, na verdade, têm um superávit comercial com o Brasil. Enquanto Washington alienava esses países, a China os cortejava. Delineou um plano com o Brasil para uma rede ferroviária transformadora conectando sua costa atlântica à costa peruana do Pacífico. Xi conseguiu que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, visitasse a China pela primeira vez em sete anos. A China cortejou a África do Sul com comércio e ajuda, e o sentimento público naquele país passou a ser bastante favorável a Pequim.

Frequentemente nos dizem que Trump gosta de falar duro para conseguir o melhor acordo. Mas suas políticas estão produzindo dor e miséria reais na prática — pessoas perdendo seus empregos e muitas sendo empurradas de volta à pobreza. É por isso que, mesmo que esses acordos sejam renegociados e as coisas se acalmem em termos menos brutais, as memórias permanecerão. Os países sempre saberão que Washington poderia tratá-los como os tratou e desejarão proteger suas apostas e manter laços fortes com a China e a Rússia, por precaução. A política externa americana hoje em dia é uma coleção de desrespeitos aleatórios, insultos e obsessões ideológicas de um homem só. Em geral, Trump gosta de países menores que ele possa intimidar ou de almas gêmeas ideológicas que se aconchegam a ele. Ele não gosta de lidar com democracias grandes e confusas, com suas próprias dinâmicas internas, orgulho e nacionalismo. Assim, os Estados Unidos sob Trump fizeram amizade com um estranho grupo de homens fortes, em El Salvador, Hungria, Paquistão e nas monarquias do Golfo. Está em desacordo com as democracias da Índia, Brasil, África do Sul, México, Canadá e da maior parte da Europa. Isso faz algum sentido? Assistindo às palhaçadas desta semana, um Trump indignado reclamou nas redes sociais que China, Rússia e Coreia do Norte estavam conspirando contra os Estados Unidos. Mas, se considerarmos os efeitos de suas políticas, talvez seja mais preciso questionar por que o próprio presidente às vezes parece estar minando os interesses e valores dos EUA nos últimos meses.

Fareed Zakaria escreve uma coluna sobre relações exteriores para o The Post. Ele também é o apresentador do Fareed Zakaria GPS, da CNN.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

ACORDO PORNOGRÁFICO

 Acordo por anistia a golpistas é pornográfico

Opinião do Estadão
O julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 mal havia começado quando, a alguns passos do Supremo Tribunal Federal (STF), caciques partidários e autoridades do Congresso, aos quais se juntou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já articulavam um pornográfico acordo político para aprovar um projeto de lei de anistia. O contraste é gritante: enquanto o STF exercia seu dever de julgar suspeitos de atentar contra a ordem constitucional democrática, a elite política do País trabalhava para neutralizar a eventual punição dos que vierem a ser condenados por trair o pacto republicano. Anistiá-los não é só uma iniciativa juridicamente teratológica – é moralmente inaceitável.
A monstruosidade desse conchavo salta aos olhos. Admitir a constitucionalidade de uma anistia para réus acusados de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros crimes, implica admitir que a Constituição conteria um dispositivo de autodestruição. Ademais, cogitar de anistia, a essa altura, é um artifício político para livrar Jair Bolsonaro e seus corréus, civis e militares, das consequências penais de seus atos. Talvez a única centelha de sensatez nessa articulação toda, não que seja aceitável, tenha partido do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, que defendeu que uma eventual anistia não pode contemplar o ex-presidente.
Mas antes o problema fosse apenas técnico. É, sobretudo, político e moral. Há evidências em profusão de que Bolsonaro e sua grei tramaram para permanecer no poder à revelia da vontade popular e em flagrante violação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O 8 de Janeiro foi a culminação visível de uma conspiração muito mais ampla contra a democracia. Por isso, a sofreguidão pela anistia não visa à proteção dos idiotas úteis que tomaram Brasília à força naquele fatídico dia, mas sim dos mentores do golpe, cujos nomes figuram no topo da política e das Forças Armadas, sabe-se lá por quais interesses. Seja como for, trata-se de um pacto espúrio para manter impunes os que ousaram tentar matar a política como único meio civilizado de concertação dos múltiplos interesses em disputa numa sociedade livre.
Não é a primeira vez que o Brasil se depara com movimento desse jaez. Só no período republicano, cerca de 40 anistias foram aprovadas, quase sempre com o propósito de livrar a cara de militares e políticos envolvidos em insurreições. O resultado foi invariavelmente nefasto para o País. Ao invés de fortalecer a democracia e ensejar a “pacificação da sociedade”, como apregoam os modernos arautos da impunidade, as anistias sistemáticas só serviram de incentivo para novas aventuras golpistas. A História demonstra que cada perdão fomentou a ruptura seguinte. Definitivamente, não é isso o que a Nação deseja, como atestam as pesquisas de opinião.
Até a anistia de 1979, “ampla, geral e irrestrita”, frequentemente invocada pelos bolsonaristas como precedente, ilustra a armadilha. Negociada nos estertores da ditadura militar, a Lei 6.683 serviu como instrumento de transição necessário àquela época, mas ao custo de blindar torturadores, assassinos e contumazes violadores das liberdades individuais. Até hoje o País convive com a impunidade de crimes hediondos cometidos em nome do Estado, mantendo feridas abertas e uma memória histórica inconclusa. O que naquele contexto foi tratado como uma espécie de “mal necessário” se converteu, à luz da experiência, em mal permanente. É esse legado infame que alguns pretendem ressuscitar agora, a pretexto de uma “tradição”.
Se é de tradição que se trata, a cogitação de uma anistia aos golpistas mostra a facilidade com que a elite política condescende com quem mina o império da lei, amesquinha os valores republicanos e faz pouco-caso dos direitos humanos, além de transmitir a mensagem de que, em momentos de crise, sempre haverá brechas para acomodações subterrâneas. Esse tempo precisa passar. Chega. O Brasil que almeja por um futuro mais desenvolvido, justo e próspero para todos tem de encerrar esse ciclo de uma vez por todas.
O julgamento dos golpistas ora em curso no STF é essa inflexão histórica. É a ocasião de afirmar, em termos inequívocos, que a democracia brasileira não admite mais que se passe a mão na cabeça de seus algozes – sejam fardados ou paisanos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

O JULGAMENTO

 

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

Desta vez, não falta ninguém em Nuremberg

No julgamento do STF os generais e chefes golpistas não escaparão da responsabilização

04 de setembro de 2025, 11:50 h

O destino arma ironias em seu curso. No julgamento de Nuremberg (1945 a 1946 – Alemanha), os juízes, todos das forças aliadas — Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos — julgaram 22 réus, 12 deles condenados à pena de morte. A maioria dos acusados era de oficiais de menor patente. Os principais responsáveis pela tragédia do século escaparam. Aqui, tal como lá, o número de oficiais que embarcaram na tentativa de golpe de Estado é 22. As semelhanças param por aí. Nesse julgamento, o do STF, há generais e ex-ministros no banco dos réus. E os chefes não escaparão de suas penas. Todas maiores que dois anos, o que os levará direto para a indignidade, com perda de posto e patente. Isso, após o trâmite processual.

Em Nuremberg, a maioria dos acusados assumiu os crimes de que era acusada, porém muitos alegaram que estavam "apenas seguindo ordens de autoridades”. Aqui, nem mesmo o chefe quis admitir a sua participação, que, segundo um dos seus advogados, Celso Vilardi, Bolsonaro foi descrito como alguém que “foi dragado por uma sucessão de acontecimentos políticos e jurídicos que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023”.

E disse, com ênfase, que a acusação não conseguiu nenhuma prova contra seu cliente. Aqui, como lá, quando se atenta contra a humanidade, contra princípios abstratos como a democracia, e tão concretos para a vida de todos nós, ou temos esse sentimento introjetado — a preservação da liberdade, das instituições e do sistema democrático, por consciência do nosso papel no mundo —, ou a ideia que passa para o público médio, desinformado e alheio aos seus direitos, é de algo anódino, pueril, desimportante.

Não lhes diz respeito, devem pensar. Ato contínuo, o que importa mesmo é a preservação da sua escolha política, o seu líder, o que deve gerir o país em que vivem, seja de que modo for, desde que seja ele. O imediatismo, aliado à ignorância e à falta de espírito cívico, resulta em Tarcísio de Freitas, Hugo Motta, Arthur Lira e outros do mesmo naipe. Em termos de conceitos filosóficos, jamais nem sequer cantarolaram o samba-enredo da União da Ilha: “O que será do amanhã?/O que vai ser do meu destino?”. Querem porque querem. Porque o poder deles é hoje e ponto.

Desta vez, não falta ninguém em Nuremberg. Talvez Valdemar da Costa Neto e Ibaneis Rocha sejam as grandes ausências nesse processo. O que falta agora é a mera conclusão do julgamento, para sabermos de que tamanho será a pena imposta a cada um desse vistoso conjunto fardado, de 22 oficiais do nosso portentoso Exército. Nenhum cumprindo ordens. Todos voluntários de uma causa que desaguaria na opressão, no autoritarismo, de que a maioria não faz ideia de como funciona. Por serem jovens, ou por ouvirem em salas de aula que “naquele tempo é que era bom. A ditadura”.

Queriam porque repetem os “chefes”. Queriam porque seria uma forma de ganhar “importância” numa nova ordem de um regime de exceção. Queriam porque não sabem nada do nazismo — nem sequer compreenderam quando o PGR Paulo Gonet citou o termo putsch para aludir ao golpe —, mas queriam. Agora não entendem por que esse “ir ali, a Brasília” os levou ao banco do julgamento do resto de nossas vidas. Talvez entendam quando ouvirem a sentença e derem de cara com a dura realidade. Atentar contra a democracia do país dá cadeia. E, desta vez, também para o chefe. E não toleraremos nada menos que isso.

O SANTO DO PAU ÔCO

 


MILITAR ABANDONANDO O BARCO

 


A POLÍTICA IMBECIL

Do jornal Washington Post Fareed Zakaria Países cruciais estão se afastando dos EUA e se aproximando da China. Nações antes amigáveis ​​aos ...